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Jornal - Entrevista

Entrevista com Jorge Abreu,  Coordenador da Comissão de Trabalhadores  do Centro de Produção da Citroën de Mangualde

Trabalhadores da Citroën de Mangualde cada vez mais preocupados com o futuro dos seus trabalhos

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Jorge Abreu, tem 33 anos é natural de Santar, trabalha há 13 anos na Peugeot Citroën de Mangualde.

Foi eleito, em Fevereiro Coordenador da nova Comissão de Trabalhadores. Referindo que é uma Comissão muito recente e que teve uma remodelação total dos elementos que estavam em funções .

 

N.B.- A Citroën, até à data, demonstrava ser uma empresa sólida?

Jorge Abreu – Durante estes anos foi sempre uma empresa onde se  vivia com alguma tranquilidade; no  que diz respeito a estas medidas, ultimamente, temos sido alvo de paragens, lay-off, de perda de vencimentos,  redução de turnos e redução de número de empregados.

 

N.B.- Até há data qual foi o número de despedimentos no Centro de Produção de Mangualde?

J.A.- Neste momento, estamos atingir cerca de 600 trabalhadores, desde final de 2008 início de 2009.

 

N.B.- Qual é a justificação da empresa para tantos despedimentos?

J.A.- A justificação da empresa  que nos foi apresentada é que há uma redução significativa de venda de veículos e que tem poucos dias de produção; daí ter que  reduzir inicialmente um turno, onde  foi o grosso dos trabalhadores que ficaram sem  os seus postos de trabalho e, agora, vão fazendo alguns ajustamentos,  continuando a sair alguns trabalhadores da empresa.

No  inicio do mês de Fevereiro, apontava-se para 400 trabalhadores e, neste momento, estamos a  atingir 600, por isso, ainda não parou a saída dos trabalhadores.

 

N.B.- Quais foram os trabalhadores escolhidos?

J.A.- Temos situações de trabalhadores que eram temporários e temos um número já muito grande de trabalhadores contratados e efectivos  que perderam o seu posto de trabalho, ou por uma situação de fim de carreira  de uma rescisão amigável com perspectiva de terem um regime de reforma,  mas muitos trabalhadores que não viram, nas propostas que a empresa lhe fazia, uma perspectiva de futuro,  foram forçados a terem que encontrar  outro rumo.

 

N.B.- O que tem feito a Comissão de Trabalhadores para  ajudar os colegas?

J.A.- Nós encontramos  uma situação muito complicada, nós tomámos  posse num momento quente da  vida social  desta empresa, tínhamos consciência que não ia ser fácil. Desde o final de 2008 que começaram aparecer sinais  de   que as coisas não corriam bem e daí o incentivo por parte dos trabalhadores para que fôssemos nós,  a  Comissão de Trabalhadores, a respresentá-los neste momento complicado.  Porque é muito fácil estar-se numa comissão quando não se tem problemas. Não somos uma Comissão de trabalhadores só para assinarmos papéis e dizermos “amen”.

Fomos eleitos para  representarmos os trabalhadores e para os  defendermos  da melhor forma que nós possamos, e é o que temos feito até ao momento, embora com grandes dificuldades, nestes últimos tempos, em darmos boas notícias ou ajudar os trabalhadores nesta situação.

O que podemos dizer é que, desde que tomámos posse,  temos mantido  os trabalhadores informados da situação que vivemos e, depois, tentamos  chamar à responsabilidade aqueles que têm  responsabilidade acrescida sobre este momento que estamos a passar. Não podem ser só os trabalhadores a serem penalizados neste momento mau que estamos atravessar.

 

N.B.-  Da parta da administração tem havido abertura para tentarem resolver este problema?

J.A.- Esta Comissão, desde que tomou posse, tem mantido uma relação de  respeito e de algum diálogo com a administração da empresa, no sentido de encontrar as melhores soluções. Podemos dizer que, por parte da empresa, não temos a registar nenhuma situação em concreto em que houvesse alguma falta de respeito com a Comissão de Trabalhadores. Mas isto não  chega. Podemos ter uma administração que nos ouve, mas, depois, o reflexo e as práticas são diferentes daquilo que havia de ser o consenso de ambas as partes. É essa a divergência  de opinião que nós  temos em relação à administração da empresa. Desde o início não teve essa palavra de cedência de negociação e daí, não concordamos com este tipo de políticas. Porque, se os problemas existem, é para as duas partes. Mas, neste momento, os trabalhadores têm um problema ainda maior.

 

N.B.- E da parte da autarquia tem havido alguma intervenção?

J.A. – Nós temos mantido alguns  contactos com algumas autarquias, porque entendemos que o momento que estamos atravessar nesta empresa, o reflexo social vai espelhar-se em cada município. Temos consciência que o município de Mangualde vai  ter uma penalização acrescida, porque tem um conjunto muito alargado de trabalhadores. É o município que tem mais trabalhadores nesta empresa, porque é a sede desta empresa e, daí termos mantido uma relação muito permanente com a autarquia. Nota-se, por parte do Dr. Soares Marques e por parte desta Câmara Municipal, uma disponibilidade  e uma solidariedade com os problemas destes trabalhadores. Sabemos que têm feito várias diligências e têm tentado chamar atenção deste problema e encontrar forma de  ultrapassar estas dificuldades mas, de facto, os resultados não vão aparecendo.

Onde temos batido, temos pedido para que se baixem as bandeiras políticas e partidárias, porque a situação que estamos a passar é muito mais grave, não utilizem os partidos para tirarem algum partido.

Temos encontrado por parte da autarquia uma sensibilidade de um autarca que está a viver um problema e que, no nosso entender,  sente-se  desiludido por não poder ajudar, mas  acredito que tudo continuará a fazer nesse sentido.

Ainda  hoje, dia 11 de Maio, o autarca de Penalva do Castelo esteve com os trabalhadores à porta da empresa a mostrar a sua solidariedade e o seu protesto contra esta situação. É importante que os autarcas estejam envolvidos e tenham conhecimento daquilo que é a real situação que se vive neste momento.

É a partir de  agora, do mês de Maio, que se vão  verificar situações mais complicadas. Vai haver perdas salariais, vai haver mais famílias que vão ter dificuldades no que diz respeito aos seus encargos e que isto, directa ou indirectamente, envolve as Câmaras Municipais e é bom que estejam preparadas para isso. E o  apelo que temos feito é que, na primeira instância, procurem  atacar o problema na origem, a  empresa está em funções, há medidas que podiam ser tomadas.

 

N.B. Quais eram essas medidas que podiam ser tomadas para  evitar esta situação?

J.A.- Nos estamos a falar duma situação social e há momentos que  nos temos de desligar um pouco do que é o factor económico. Nós  sabemos que as empresas existem para terem lucros e para  atingirem objectivos, mas não podemos  permitir  que as empresas coloquem, à frente do aspecto social, o aspecto económico, os lucros,  dai uma das medidas que sempre incentivamos e pressionámos,  tanto o Ministério do Trabalho como  a empresa, foi  que  estes trabalhadores entrassem ao abrigo de um  plano de apoio ao sector automóvel no que  diz respeito a um tempo de formação, como, por exemplo, hoje, é o primeiro dia de lay-off, em vez de estarem em casa podiam estar a ter formação e a penalização no salário seria muito reduzida que podia ser uma garantia de 90% do salário diário ou mesmo 100%.

 

N.B.- E porque não foi avançada essa medida?

J.A.- Há divergências de opiniões sobre este tema. A empresa inicialmente dizia que foi rejeitada a candidatura, depois alegava que não se candidatou ao programa porque não garantia as condições mínimas para essa adesão, recentemente o Sr. Ministro fez declarações publicas onde  diz que a empresa nunca mostrou vontade  de aderir a este  plano de apoio as sector automóvel, agora, o  que nos importa dizer é que os trabalhadores não têm responsabilidade nenhuma sobre estas decisões que tanto o  próprio Ministério como a Empresa estão  a tomar e não podemos, de maneira nenhuma, ser penalizados e descriminalizados, em relação a trabalhadores de  outras empresas que, neste momento, estão a preparar-se para o futuro,  ao abrigo da própria legislação.

Nós acreditamos que no imediato seria o melhor caminho a seguir.

 

N.B. - Mas ainda podem apelar?

J.A.- Nós  continuamos a insistir. Recentemente, o Sr. Ministro esteve numa visita oficial a Viseu e os trabalhadores da  Citroën estiveram à porta do Governo Civil, disponíveis para falar com o Sr. Ministro. Desde o dia 1 de Abril que solicitámos reuniões com o Sr. Ministro, houve uma reunião  onde o Ministro delegou para um adjunto para nos dar algumas informações. Mas nós não pretendemos fazer  600 Km (ir e vir a Lisboa), para  virmos de mãos vazias, como o próprio Presidente da Câmara há dias dizia  que foi a Lisboa mas não foi fazer nada, foi só participar em mais  uma reunião, mas voltar de mãos vazias.

Nós temos batido a todas as portas não nos podem acusar de não nos termos envolvido nesta situação. Todas as portas são importantes e todas podem contribuir para se encontrar uma solução que não seja tão penalizadora como esta.

Agora sabemos que há responsáveis e  continuamos  a apontar o dedo tanto à empresa que permitiu que as condições chegassem à  situação que se vive neste momento como  ao próprio Governo e a este Ministério do Trabalho da Solidariedade Social que teve uma responsabilidade inicial quando permitiu que nesta legislação de trabalho, constasse o lay-off, que  permite  que o trabalhador seja penalizado.

O que o lay-off nos diz é que temos uma garantia de 2/3 do salário; da  forma que a empresa está apresentar  estes dias de paragem e pegando no exemplo deste mês de Maio, onde  estão previstos 4 dias de paragem, os dias em que os trabalhadores vão estar a trabalhar, o que a empresa lhes vai pagar vai  atingir os 2/3 do salário, logo não vão ter mais apoio, nem da Segurança Social, nem da própria empresa, nos dias que estamos em casa estamos a receber zero. Vai haver uma penalização imediata no salário. Neste mês de Maio, temos já 20%, o que é muito no orçamento das famílias nas situações que conhecemos. Todos temos os nossos encargos, a oferta de emprego não abunda, e isso preocupa-nos e passamos a ter muitas famílias em  que o marido  ou  a esposa já estavam desempregados e muitos deles sem terem direito ao  subsídio de desemprego  e,  agora, ainda vamos ter uma redução onde  em muitos agregados familiares, era a única fonte de receita.

 

N.B- Sabemos que há casais que ambos trabalham na empresa, essa situação tem sido ponderada por parte da empresa?

J.A.- Não está salvaguardada nenhuma situação, ainda hoje estivemos em frente da empresa para verificarmos se havia incumprimento por parte da empresa no que diz respeito ao lay-off e há regras que estavam estipuladas.

Houve pessoas que estavam destinadas  a  entrar em lay-off e não foi contemplada essa situação de casais que, pelo menos, uma pudesse estar ao serviço.

 

N.B.- Mas o lay-off não é para todos os trabalhadores? Há uma parte que está a laborar?

J.A.- Essa foi uma das questões que hoje quisemos esclarecer e penso que deve haver um princípio de respeito e solidariedade, porque nenhum trabalhador neste momento tem vontade de estar  em casa e nós apelamos que houvesse respeito e solidariedade para com os operários que são os primeiros a serem envolvidos. O que tem acontecido e que, depois de muita pressão, por parte da Comissão de Trabalhadores, é  mesmo assim, tem havido muitas situações que são incompreensíveis.  Inicialmente estava previsto que o dia 4 fosse lay –off e foi encaminhado para uma bolsa de horas, os trabalhadores ficaram em casa e ficaram a dever este dia à empresa. Não podemos permitir nem aceitar  que,  num dia em que não se produziu um  único carro,   estivessem na empresa  centenas de trabalhadores, como também   houve um conjunto muito restrito de trabalhadores a prestar trabalho extraordinário na empresa, isto são coisas incompreensíveis,  existem distinções na forma de tratar as pessoas, mas isto não deve existir.

Existe desigualdade de tratamento na empresa e isso sempre existiu; neste momento, ainda é mais visível  esta situação.  Enquanto Comissão de Trabalhadores tratamos todos os trabalhadores da mesma maneira e daí apelamos sempre que haja um sentido de responsabilidade e de respeito por aqueles que produzem, que são aqueles que menos ganham, estão mais expostos àquilo que é produção e a pressão daquilo que existe num regime de produção e não podemos permitir que neste momento tão complicado exista um núcleo de trabalhadores que seja beneficiados neste processo e dai condenarmos este processo. Sabemos que muitos deles não lhes agrada a posição  da Comissão de Trabalhadores, pretendemos defender os trabalhadores no seu global. Hoje  por exemplo existe um lay-off devia haver um respeito e uma solidariedade de todos os trabalhadores em estarem em lay-off e não andarem a procurar esquemas e mecanismos para ultrapassar a situação, isso é vergonhoso.

Hoje estão cerca de 100 pessoas  na empresa e   questiona-se o que estão a fazer alguns deles, se  fizermos o calculo salarial  isto  daria  para suportar o salário de grande parte dos operários que iriam produzir. Achamos  inadmisível  que haja cortes para uns trabalhadores e para outros não.

 

N.B.- E já confrontaram a administração com esta situação?

J.A.- Diariamente confrontamos a administração  com estes dados reais. Mas, infelizmente, até ao momento não tem grande reflexo nas  suas decisões. Na quinta-feira passada,  o que nos foi  transmitido pela administração foi que a empresa iria procurar ter o mínimo de trabalhadores na empresa, consideramos que, mesmo assim nestes dias de lay-off, está muita gente na empresa, e a fazer o que? Mas sentimos que já houve algum cuidado de pôr um pouco de travão nesta situação. Se isso se verificasse hoje, poderíamos  estar a prever uma situação muito delicada para um conjunto de trabalhadores que pretendessem entrar na empresa, porque as pessoas vão chegar a um momento que não vão aguentar ser cilindrados e humilhados, por  uns serem tratados como filhos e outros como enteados.

 

N.B.- Sei que teve uma reunião com o pároco de Mangualde, Sr. Cónego Seixas. De que forma ele pode ajudar ?

J.A.- Nós, quando falamos de um problema social  este também envolve a igreja e todas as instituições que estão ligadas ao âmbito social e daí termos procurado envolver a igreja.  Foi nosso objectivo colocar a igreja a par  do momento que se vive, da situação que se atravessa na empresa  e  apelar à sua intervenção, nomeadamente  à Paróquia de Mangualde, porque  será a que mais sentirá este reflexo, dadas as  dificuldade das famílias.  Foi uma das preocupações que nos levou a falar com o Sr. Padre  e até partiu da parte do Sr. Padre este agendamento da reunião, o que registamos com bastante agrado. 

No decorrer da semana passada, também tivemos uma reunião com o D. Ilídio , Bispo de Viseu, no sentido de o elucidar, fomos logo atendidos de imediato. Estamos a  ver  até que ponto a igreja nos  pode  ajudar, neste momento que é  muito complicado e de grande incerteza. Pedimos que apoie esta ou aquela situação mais complicada que possa vir a ocorrer nos próximos tempos.

Porque acreditamos que, nestes serviços que existem na paróquia de apoio à família como seja  a creche e toda a parte de apoio social, isso vai acontecer num curto espaço de tempo. A nossa mensagem pode não chegar a todas as pessoas e é importante que todos estejam esclarecidos daquilo que se está a passar. Depois cada uma fará a sua leitura e a sua intervenção da forma que achar que é correcta. O importante é que a  Comissão de Trabalhadores tem o princípio de esclarecer e procurar uma solução e estamos a fazer tudo o que podemos. A nossa voz, por vezes, é muito pouco e, quanto mais vozes se levantarem sobre esta situação, acredito que possa vir a ser positivo.

 

N.B.- Acredita que a Citroën continue a laborar em Mangualde? Ou as esperanças já são poucas?

J.A.- Eu, enquanto trabalhador e Coordenador desta Comissão de Trabalhadores, tenho uma confiança de que a empresa tem todas as condições para continuar em Mangualde, para produzir um novo modelo e penso que  pode acontecer. Não podemos  é viver um futuro sem vivermos um presente. No nosso ponto de vista é uma falha muito grande, por parte da empresa e do próprio governo, não criar formas de aproveitar este tempo de  alguma redução de trabalho para preparar o futuro. Porque, se  os trabalhadores estiverem agora seis meses sem  comer não vão conseguir sobreviver, porque morrem antes do tempo. Neste momento, vamos tratar deste presente, que é muito complicado e que pode obrigar a que muitas pessoas tentem perceber  se haverá alguma perspectiva de trabalho na zona ou  mesmo no mundo. Nós podemos estar a desperdiçar mão de obra especializada  e que, num  futuro próximo, se conseguirmos,  que é a nossa ambição que é ter um novo modelo,  nós vamos necessitar dessas pessoas e, se essas pessoas não estiverem, têm que a empresa investir mais em trabalhadores e em formação e daí  acreditarmos que será um mau investimento dispensar trabalhadores com as especialidades e  que se têm dispensado. Mas continuamos  a acreditar que Mangualde é muito beneficiado por todas as condições, por os custos de mão de obra, pelo trabalho que desenvolvemos, pelo profissionalismo, pelos índices  de qualidade que temos muito significativos a nível do próprio grupo. Temos consciência que somos um empresa pequena mas temos uma grande facilidade de adaptação e um rendimento produtivo e de qualidade muito acima  daquele que  é a média do grupo a nível das suas exigências, por isso, temos todas as condições para continuar a trabalhar. Mas tem que existir uma vontade recíproca, por parte da administração da empresa  e do Grupo PSA, em continuar a  acreditar em Mangualde. E pensamos que esse cenário poderá estar em cima da mesa nos próximos tempos.