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Jornal - Notícias da Igreja

A sacramentalidade da Palavra

 

“Com o apelo ao carácter performativo da Palavra de Deus na acção sacramental e o aprofundamento da relação entre Palavra e Eucaristia, somos introduzidos num tema significativo, referido durante a Assembleia do Sínodo: a sacramentalidade da Palavra. A este respeito é útil recordar que o Papa João Paulo II já aludira «ao horizonte sacramental da Revelação e, de forma particular, ao sinal eucarístico, onde a união indivisível entre a realidade e o respectivo significado permite identificar a profundidade do mistério». Daqui se compreende que, na origem da sacramentalidade da Palavra de Deus, esteja precisamente o mistério da encarnação: «o Verbo fez-Se carne» (Jo 1, 14), a realidade do mistério revelado oferece-se a nós na «carne» do Filho. A Palavra de Deus torna-se perceptível à fé através do «sinal» de palavras e gestos humanos. A fé reconhece o Verbo de Deus, acolhendo os gestos e as palavras com que Ele mesmo se nos apresenta. Portanto, o horizonte sacramental da revelação indica a modalidade histórico-salvífica com que o Verbo de Deus entra no tempo e no espaço, tornando-Se interlocutor do homem, chamado a acolher na fé o seu dom.

Assim é possível compreender a sacramentalidade da Palavra através da analogia com a presença real de Cristo sob as espécies do pão e do vinho consagrados. Aproximando-nos do altar e participando no banquete eucarístico, comungamos realmente o corpo e o sangue de Cristo. A proclamação da Palavra de Deus na celebração comporta reconhecer que é o próprio Cristo que Se faz presente e Se dirige a nós para ser acolhido. Referindo-se à atitude que se deve adoptar tanto em relação à Eucaristia como à Palavra de Deus, São Jerónimo afirma: «Lemos as Sagradas Escrituras. Eu penso que o Evangelho é o Corpo de Cristo; penso que as santas Escrituras são o seu ensinamento. E quando Ele fala em “comer a minha carne e beber o meu sangue” (Jo 6, 53), embora estas palavras se possam entender do Mistério [eucarístico], todavia também a palavra da Escritura, o ensinamento de Deus, é verdadeiramente o corpo de Cristo e o seu sangue. Quando vamos receber o Mistério [eucarístico], se cair uma migalha sentimo-nos perdidos. E, quando estamos a escutar a Palavra de Deus e nos é derramada nos ouvidos a Palavra de Deus que é carne de Cristo e seu sangue, se nos distrairmos com outra coisa, não incorremos em grande perigo?». Realmente presente nas espécies do pão e do vinho, Cristo está presente, de modo análogo, também na Palavra proclamada na liturgia. Por isso, aprofundar o sentido da sacramentalidade da Palavra de Deus pode favorecer uma maior compreensão unitária do mistério da revelação em «acções e palavras intimamente relacionadas», sendo de proveito à vida espiritual dos fiéis e à acção pastoral da Igreja”, (Verbum Domini n. 56)