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Jornal - Entrevista

Rotary Clube de Mangualde

homenageou Maria do Amparo

 

No dia 13 de Novembro o  Rotary Clube de Mangualde  homenageou a D. Maria do Amparo.

O Notícias da Beira  foi conhecer mais de perto esta profissional.

 

 

 

Notícias da Beira - Que significado tem para si esta homenagem?

Maria do Amparo - Foi algo de maravilhoso, eu nunca fui uma pessoa ligada a estas coisas e pensei que era um dia normal, mas não foi. Foi um dia cheio de emoções, de muita alegria, como que o reconhecimento do meu esforço, do meu trabalho ao longo de todos estes anos.

Tenho a  agradecer aos Rotários o bonito momento que me proporcionaram.

 

N.B.- Fale-nos um pouco de si e do seu trabalho?

M. A . - Sou oriunda de Codornelas – Penalva do Castelo, mas  estudei em Mangualde. Nunca fui muito boa aluna no  percurso do colégio. Tirei vários cursos desde contabilidade, dactilografia, e, um dia, alguém me disse que havia no Porto um curso para dar aulas de trabalhos manuais de dois anos.  Mas na verdade não sabia onde me ia meter, na verdade nunca tinha sentido nenhum dote especial para o desenho e, quando lá cheguei, achei que estava no curso errado, apesar de nunca ter sido boa aluna acabei por ter uma das melhores notas da turma e comecei a ser uma belíssima aluna. Os meus pais na altura não concordavam nada com o curso, não entendiam, para eles só advocacia , engenharia é que eram cursos.

Quando acabei o 7º ano pedi ao meu pai que me arranjasse um emprego na Citroen mas ele nunca quis; depois de eu estar no Porto tentou arranjar-me emprego na Citroen e depois eu já não quis vir.

No último ano, o meu professor de cerâmica, João Duarte, que fez questão de estar presente na minha homenagem , foi sempre um homem que me incentivou , achou que eu tinha qualidades, foi ele a pessoa mais importante no meu percurso da cerâmica, foi ele que me ensinou tudo aquilo que eu sei.

Acabei o curso, no primeiro ano fui dar aulas para  Sernancelhe, o meu pai pagou-me as despesas todas durante o ano e disse-me para guardar o dinheiro. No final do ano queria pintar mas não tinha  mufla (forno electrico), era cara e eu resolvi ir a Leiria e gastei o dinheiro todo que tinha ganho num ano na  compra de uma mufla, o meu pai nem queria acreditar.

Com a mufla eu podia fazer experiências, umas vezes saíam bem outras vezes saíam mal . Mas de vez em quando sentia a minha mãe a ver o forno para ver o que tinha saído e começaram a gostar, amigos começaram a comprar e admirar. Depois fui dar aulas para Sintara, nos tempos livres pintava  e  nos fins de semana trazia para a minha aldeia, Codornelas, para cozer, depois levava e vendia  e começou a ser uma grande motivação.

Depois vim para Viseu para a Escola Viriato. Aos 29 anos caso, engravidei, nasce o meu primeiro filho, dou aulas mas, apesar de tudo, faltava-me algo  e  então comprámos o trespasse do Onda,  criei o meu atelier  e uma loja de artesanato, e cá fiquei em Mangualde.

Não demorou muito tempo a ter sucesso. Nessa altura estava grávida, dava aulas em Viseu, tinha 9 formandos  para orientar, foi uma fase de muito trabalho, mas nunca fui de ter muitos medos,  conciliava tudo. Ao fim de terminar este curso fiquei com 5 funcionárias e fizemos um trabalho de 70 mil peças  para a Royal Companhia Velha, isto incentivou-me, com este trabalho ganhámos muito dinheiro, eu não precisava de procurar os trabalhos eles batiam-me à porta . Sempre tive uma qualidade,  quer fosse grande quer fosse pequeno eu nunca deixei  que o cliente fosse embora sem o trabalho, fosse um simples prato ou uma encomenda de milhares de contos.

Os mangualdenses aos poucos começaram aderir e vir há loja.

 

N.B.- Não tem tido problemas de mercado?

M.A.- Nos tempos que correm temos. Esta homenagem que me foi feita é quase como que um incentivo, para não desistir,  não sou mulher de desistir, mas numa fase em que o trabalho não é muito, em que pagar as minhas funcionárias é difícil, mas que trabalharam comigo a vida toda e  elas sabem que só irão para casa mesmo quando eu não puder, ajudaram-me numa altura em que ganhei dinheiro comprei as coisas . Elas precisam do emprego e eu não sei viver sem o atelier.

O meu marido na minha vida artística tem sido uma peça fundamental , ele é o meu maior crítico, a pessoa que me incentiva, nunca tiro nenhum painel do estirador sem ele ver.

 

N.B. Já trabalhou para o estrangeiro?

M.A.- O meu trabalho é feito essencialmente para vender na loja e para clientes que me procuram. Trabalhos grandes só por encomenda.  

Tenho  uma centenas de metros quadrados de painéis  espalhados  pela  Colômbia, França, América, Ilha do Faial e do Pico, Venezuela, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e  no país.

 

N.B.- Qual foi a obra que lhe deu mais alegria?

M.A.-  Por acaso está em Mangualde. A Caixa de Crédito Agrícola pediu-me para fazer um painel da reprodução da tapeçaria que existe no tribunal. Não é uma imagem fácil de fazer e na altura ainda não tinha pintado grandes painéis, foi um grande desafio foi um dos meus primeiros trabalhos. Nós só fazemos uma boa obra se o cliente nos der oportunidade, porque não vou fazer um trabalho de 6 ou 10 metros para por em caixas.

 

N.B.- Que tipo de trabalhos faz?

M.A.- Pintura à mão em faiança decorativa e a pintura de painéis, hoje desenvolvo a técnica da corda seca, são peças muito bonitas mas que demoram muito tempo, mas como estamos numa época que se vende pouco vale mais fazer pouco e bom. E, se não se venderem, mais cedo ou mais tarde têm sempre valor.

 

N.B.- É uma profissão com  futuro para os jovens?

M.A.- Eu acho que pode ser, não podemos desistir. Temos hoje artistas que são reconhecidos e que morreram na miséria.

Se alguém se achar com motivação e com gosto pela cerâmica, se quiser, com mais ou menos dificuldade pode sobreviver, não digo só viver da cerâmica, eu também sou professora.

É pena que os jovens não se dediquem à cerâmica, ela fez sempre parte da cultura do nosso país.

Eu acredito, talvez de um modo diferente acompanhando os tempos, com formações mais actuais poderão desenvolver a cerâmica de um modo diferente.