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HOMILIA

DO CORPO DE DEUS

A solenidade deste dia está relacionada com o dia de quinta-feira santa. Por isso, é uma solenidade eucarística, um momento para reflectir no memorial da “morte e da ressurreição do Senhor”, sacramento da nossa fé. É uma solenidade instituída no século XII e que se celebrou pela primeira vez em 1246. As leituras bíblicas deste dia destacam as diferentes dimensões deste símbolo que Jesus nos deixou. O livro do Deuteronómio recorda-nos as palavras de Jesus ao vencer as tentações no deserto: Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”. São Paulo faz referência à identidade da Eucaristia e à unidade que é gerada por ela, porque todos participamos do mesmo pão: “Não é o cálice…a comunhão com o Sangue de Cristo? Não é o pão…a comunhão com o Corpo de Cristo? Formamos um só corpo, porque participamos do único pão”. O texto do evangelho apresenta-nos três frases muito importantes: 1) Quem come deste pão viverá eternamente; 2) “Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue tem a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia”; 3) “Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue permanece em mim, e Eu nele”. Podemos concluir que a Eucaristia é fonte de vida, dá-nos a vida eterna e é um sinal de identificação com Cristo.

Ao longo da história, a Eucaristia nem sempre ocupou o lugar que lhe é devido, considerada, tantas vezes, como uma obrigação dominical, ou como um sacramento que se teria de receber ao menos uma vez por ano. O Concílio Vaticano II definiu a Eucaristia como “a fonte e o cume de toda a evangelização”, colocando-a no centro da vida dos cristãos, no centro da nossa espiritualidade. Para que tal aconteça, não basta somente ficar pelos aspectos doutrinais, mas é necessário ter em conta a dignidade da forma como é celebrada e vivida.

Na celebração e na vivência da Eucaristia, são muito importantes os seguintes verbos: partir, repartir e partilhar. Jesus eucarístico é pão e vinho para serem partidos, repartidos e partilhados. Mesmo sendo um mistério, a Eucaristia é um dom de Deus e o alimento para a nossa vida espiritual, mas também é um estímulo para o nosso compromisso cristão. Os sinais do pão e do vinho são objecto de adoração, mas também incentivo para uma vida cristã exemplar. O alimento material que comemos e bebemos desintegra-se e é assimilado pelo nosso corpo, para se converter em energia e fonte de vida. Assim acontece com Jesus-Eucaristia. Ele é o pão da vida que comemos e que assimilamos no nosso corpo para que nos conceda a vida.

Quando se parte um pão, fica em vários pedaços. Parte-se para se repartir e partilhar. Por isso, o sacramento da Eucaristia “não se pode separar do sacramento da caridade”. A Eucaristia nunca se pode separar do compromisso pessoal e comunitário. Dizia um mestre de vida interior: uma boa comunhão eucarística não se pode avaliar como tal pela força emocional que possa provocar, mas pelo grau de compromisso que dela deriva. Também uma boa celebração não se pode avaliar pelo número de participantes, mas pelo grau de implicação dos que participam.

A Eucaristia é o memorial da morte de Cristo. Na Última Ceia, Jesus antecipou sacramentalmente a sua morte sacrificial na cruz. Por isso, deu um novo valor e sentido ao pão e ao vinho, ao relacioná-los com a sua morte: o pão partido pelos seus discípulos passava a ser o seu corpo que iria ser entregue à morte e o vinho na ceia era o seu sangue derramado na cruz. Na Eucaristia, actualizamos a salvação, o cume da história, a plenitude dos tempos. Por ela, a força salvadora da morte de Cristo prolonga-se até ao fim dos tempos. A Eucaristia é alimento salvífico. Não é como o pão dos hebreus, que o comeram e morreram. Quem come deste pão viverá para sempre: “Eu sou o pão vivo descido do céu, quem come deste pão viverá eternamente”. Jesus entrega a sua vida para que tenhamos vida. A Eucaristia gera comunhão. Somos membros de um povo que parte e partilha o mesmo alimento. Formamos um só corpo, porque comungamos o mesmo pão, o mesmo Senhor. Que o Senhor nos ajude a sentir e a valorizar a Eucaristia na nossa vida.

Cónego  Jorge Seixas