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As profundas questões

da vaca e do burro

A notícia caiu como uma bomba na comunicação social: o Papa tinha dito ou escrito que no presépio não estavam a vaca e o burro.

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 Como podia ser tal coisa? Então eu que toda a vida fiz o presépio com uma vaca e um burro, vem agora o Papa dizer que não estavam lá? Que não havia burro nem vaca? Será que o Papa não está a destruir a religião? (É sempre a pergunta que se faz, que supõe a afirmação que se lhe segue – estão a destruir a religião).

Nenhum assunto é melhor do que este para tratar num telejornal: falando-se em questionar os dados religiosos, não há ouvido mediático que não afile as orelhas, mesmo que não sejam de burro. E assim, em todo o telejornal de todos os canais, nos da manhã, nos do meio dia e nos da noite não faltou a referência a semelhante afirmação: o papa disse que não havia burro nem vaca no presépio. Depois, para fundamentar a notícia, faz-se uma entrevista a vendedores de presépios, a construtores de vacas e de burros, e a todo o cidadão que tem direito à sua própria opinião, porque todos somos inteligentes para saber e opinar mesmo que não entendamos das matérias. Por isso perguntam sempre aos entrevistadores “do seu ponto de vista, o que pensa de…”

Não se fizeram, por impossibilidade natural de diálogo com o além (visto não ter sido possível contactar ainda as adivinhadoras, as lançadoras de cartas ou as pesquisadoras de influência dos astros), não se entrevistou nenhuma figura como a do senhor Machado de Castro, que deixou presépios no país inteiro, e que neles pôs estrategicamente a vaca, o burro, e mais uma quantidade de bichos que ali convivem com o menino, mais ou menos nu, no entanto sem frio, com um S. José já velhote, como uma Maria embevecida, com uma quantidade de ovelhas desgarradas e depois com uma profusão de tudo o que se move debaixo do sol: há presépios com moinhos, com mecanismos de animação, com comboios de corda e com toda a espécie de bichos. As representações do presépio são filhas da imaginação humana ao longo dos séculos. Nos tempos correntes existe a tendência para a simplificação, para a estilização, para a busca das figuras distorcidas ou tortuosas, porque a visão artística é hoje diferente do real: não é a arte que imita a realidade (isso era dantes); a realidade é que imita a arte. E, se não imita, a responsabilidade é dela.

Não se disse nos telejornais que o presépio, como se tem concebido e realizado na tradição popular desde a Idade Média, é uma proposta de S. Francisco de Assis, que quis representar o nascimento de Cristo como ícone de dois dos seus ideais: a pobreza e o amor pela natureza. Para isso a irmã vaca e o irmão burro eram figuras ideais, dado que o irmão lobo ficaria para ulteriores considerações.

O Papa eliminou mesmo a vaca e o burro?

No meio disto tudo faltou o essencial: ninguém se quis dar ao trabalho de ler o que o Papa escreveu sobre o assunto!

Para esclarecimento de telejornais alarmistas, aqui vai o que escreveu J. Ratzinger/Bento XVI: “Como se disse, a manjedoura faz pensar nos animais que encontram nela o seu alimento. Aqui, no Evangelho, não se fala de animais, mas a meditação guiada pela fé, lendo o Antigo e o Novo Testamento correlacionados, não tardou a preencher esta lacuna reportando-se a Isaías, 1,3: “O boi conhece o seu dono, e o jumento o estábulo do seu senhor; mas Israel, meu povo, nada entende”. Peter Stuhlmacher observa que provavelmente teve influência também a versão grega (na Setenta) de Habacuc 3,2: “No meio de dois seres vivos… tu serás conhecido; quando vier o tempo, tu aparecerás” (cf. Peter Stuhlmacher, Die Geburt des Immanuel, p. 52). Aqui, com os dois seres vivos entende-se evidentemente os dois querubins que, segundo o Êxodo 25,18-20, estavam colocados sobre a cobertura da Arca da Aliança, indicando e simultaneamente escondendo a presença misteriosa de Deus. Assim, a manjedoura tornar-se-ia de certo modo, a Arca da Aliança, na qual Deus, misteriosamente guardado, está no meio dos homens e à vista da qual chegou, para “o boi e o burro”, para a humanidade formada por judeus e gentios, a hora do conhecimento de Deus. Portanto, na singular conexão entre Isaías 1,3; Habacuc 3,2; Êxodo 25,18-20 e a manjedoura, aparecem dois animais como representação da humanidade, por si mesma desprovida de compreensão, que, diante do Menino, diante da aparição humilde de Deus no estábulo, chega ao conhecimento e, na pobreza de tal nascimento, recebe a epifania que agora a todos ensina a ver. Bem depressa a iconografia cristã individuou este motivo. Nenhuma representação do presépio prescindirá do boi e do jumento”. Joseph Ratzinger/Bento XVI, Prólogo – A Infância de Jesus, Ed. Principia, Novembro 2012.

Portanto, caros companheiros e amigos dos telejornais, o que o Papa diz é justamente o contrário daquilo que vocês disseram que ele disse. Continuemos pois com o boi e o jumento no presépio, que, como diz o Papa, são, no contexto do nascimento, “representação da humanidade”. Exceto, evidentemente, daquela humanidade constituída pelos que fazem os telejornais. Esses estão acima de todas as suspeitas.

C. F.

(in Voz Portucalense, 28 de Novembro de 2012)