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“A FORÇA EVANGELIZADORA DA ADORAÇÃO EUCARÍSTICA

TEOLOGIA E MISTAGOGIA DA ADORAÇÃO EUCARÍSTICA”

 

No passado dia 10 de abril, o Rev. Cónego Jorge Seixas proferiu na Casa da Cultura, em Oliveira do Hospital, a conferência que, face à importante  temática, transcrevemos:

 

Introdução

“Com efeito, um amor que não sentisse a necessidade de falar da pessoa amada, de a apresentar, de a tornar conhecida, que amor seria? Se não sentimos o desejo intenso de comunicar Jesus, precisamos de nos deter em oração para Lhe pedir que volte a cativar-nos. Precisamos de o implorar cada dia, pedir a sua graça para que abra o nosso coração frio e sacuda a nossa vida tíbia e superficial. Colocados diante d’Ele com o coração aberto, deixando que Ele nos olhe, reconhecemos aquele olhar de amor que descobriu Natanael no dia em que Jesus Se fez presente e lhe disse: «Eu vi-te, quando estavas debaixo da figueira!» (Jo 1, 48). Como é doce permanecer diante dum crucifixo ou de joelhos diante do Santíssimo Sacramento, e fazê-lo simplesmente para estar à frente dos seus olhos! Como nos faz bem deixar que Ele volte a tocar a nossa vida e nos envie para comunicar a sua vida nova! Sucede então que, em última análise, «o que nós vimos e ouvimos, isso anunciamos» (1 Jo 1, 3). A melhor motivação para se decidir a comunicar o Evangelho é contemplá-lo com amor, é deter-se nas suas páginas e lê-lo com o coração. Se o abordamos desta maneira, a sua beleza deslumbra-nos, volta a cativar-nos vezes sem conta. Por isso, é urgente recuperar um espírito contemplativo, que nos permita redescobrir, cada dia, que somos depositários dum bem que humaniza, que ajuda a levar uma vida nova. Não há nada de melhor para transmitir aos outros”1.

1 Evangelii Gaudium, 264

Nas margens do lago de Tiberíades, na narração que o evangelho de S. João descreve como a terceira manifestação de Jesus Cristo ressuscitado aos seus discípulos (Jo 21,1-14), há uma maravilhosa referência à experiência de um silêncio contemplativo: “Nenhum dos discípulos se atrevia a perguntar-lhe: Quem és Tu?” (v.12). É o ponto de chegada de uma caminhada pela qual se realiza a passagem das trevas de uma noite (v.3) para a aurora da presença do Ressuscitado (v. 4).

Diversos momentos prepararam este encontro. Os apóstolos foram confrontados com palavras amorosas (“Rapazes, tendes alguma coisa para comer?”), o que os levou a retomar uma actividade considerada já inútil. Confiados nestas palavras, obtêm uma inesperada abundância de peixes, símbolo de uma vida que se reencontra plenamente. Segue-se o reconhecimento do “Senhor”, na força de um grito de fé (v. 7), que os leva a ir ao seu encontro com entusiasmo. Uma curta distância, apenas “noventa metros”, transformara as suas vidas. Encontram-se com o Senhor, como seus discípulos, na alegria de um banquete que lhes recorda e os faz reviver o amor já experimentado no Cenáculo: não é em vão que se faz referência aos gestos da Eucaristia: “…tomou o pão e deu-lho” (v. 13).

 

 

 

A referência à alegria silenciosa (“Ninguém se atrevia a perguntar-lhe… sabiam bem que era o Senhor”) ajuda-nos a compreender a experiência contemplativa da celebração 2

eucarística, onde nos sentamos à mesa com o Ressuscitado, como também a riqueza da oração perante a sua presença sacramental.

Nas páginas evangélicas que narram as manifestações do Ressuscitado aos discípulos, não é difícil constatar o dinamismo de vida nova que o Senhor comunica: a alegria de uma vida cheia de esperança, o sopro do Espírito Santo, o anúncio do perdão, uma palavra recordada como força de salvação, a fraternidade que será o sinal visível da presença de Cristo no meio do seu povo, a coragem do anúncio missionário…, ou seja, o dinamismo que experimentamos na presença do Senhor na Eucaristia, no nosso “estar” com Ele.

Não se trata de uma presença simplesmente “localizada”, procurada com um superficial intimismo. Nas oferendas do pão e do vinho consagrados revela-se-nos uma presença “dinâmica” do Senhor que, através do seu Espírito, nos comunica a força e a exigência de uma vida nova animada pelo amor, na unidade entre nós e no compromisso missionário.

Brota, assim, uma oração cheia de vida, que tem o seu “cume” na celebração litúrgica e que se prolonga na atitude contemplativa diante do sacrário ou numa solene exposição eucarística.

Como valorizar esta forma de oração na pastoral das nossas comunidades cristãs? Como sensibilizar para esta experiência? O magistério da Igreja aponta alguns princípios para esta oração diante da Eucaristia, o culto eucarístico fora da missa, em harmonia com o espírito da liturgia. A Eucaristia é a fonte e o cume da vida e da missão da Igreja. Nela celebramos e contemplamos o Mistério da nossa Fé, o que também acontece na adoração e no culto da Eucaristia fora da missa.

A adoração eucarística fora da missa não é a principal nem a central celebração do Mistério da Fé. Mas o Magistério recente convida-nos a revalorizar este culto que tem séculos de existência na piedade da Igreja Ocidental. Para descobrirmos a força evangelizadora da adoração eucarística, é necessário fazer referência, ainda que de uma forma breve, a alguns princípios da teologia e salientar alguns aspectos para uma mistagogia da adoração eucarística fora da missa.

A referência à Instrução Eucharisticum mysterium (EM), publicada a 25 de Maio de 1967 pela Sagrada Congregação dos Ritos, é obrigatória, em relação à teoria e também à prática. E continua em vigor o Ritual Romano sobre a Sagrada Comunhão e Culto do Mistério Eucarístico Fora da Missa, com as indicações doutrinais e os seus textos 2.

2 Ritual Romano da Sagrada Comunhão e Culto do Mistério Eucarístico Fora da Missa, 1995

O princípio fundamental que guia a reflexão e a prática do culto eucarístico é a seguinte afirmação da EM 50: “Os fiéis, quando veneram a Cristo presente no Sacramento, devem recordar que esta presença deriva do Sacrifício e tende, ao mesmo tempo, à comunhão sacramental e espiritual”.

A adoração eucarística fora da missa, em todas as suas formas reconhecidas pela Igreja, situa-se entre a celebração do mistério e a graça sacramental da Eucaristia que nos orienta a viver em comunhão com Cristo em toda a nossa vida. A adoração fortalece a 3  memória da celebração e da graça sacramental, porque nos recorda que essa presença sacramental vem sempre da eucaristia celebrada como sua fonte e nos conduz novamente à comunhão eucarística como seu cume3.

3 Não podemos esquecer o princípio da SC 10

Nas diversas formas da adoração eucarística prevista pelo Ritual da comunhão e culto do mistério eucarístico fora da missa, encontram-se algumas orientações fundamentais sobre os aspectos teologais que deverão ser tidos em conta para favorecer uma digna mistagogia, comunitária e pessoal, expressas na EM 50: “Permanecendo junto de Nosso Senhor Jesus Cristo gozam (os fiéis) da sua intimidade, abrem-lhe o coração pedindo por si mesmos e por todos os seus, rogam pela paz e pela salvação do mundo. Oferecendo toda a sua vida com Cristo ao Pai no Espírito Santo, tiram deste trato admirável um aumento de fé, de esperança e de caridade. Assim fomentam as disposições devidas que lhes permitirão celebrar, com a devoção conveniente, o memorial do senhor, e receber frequentemente aquele pão que o Pai nos deu”.

Nesta preciosa síntese, encontramos toda a força evangelizadora e vivencial da adoração eucarística. A exortação final do documento afirma: “Apliquem-se os fiéis a venerar a Cristo Senhor, no Santíssimo Sacramento, segundo as condições da sua própria vida. Os pastores guiem-nos, neste ponto, com o seu exemplo e exortem-nos com as suas palavras”.

Para sentir a força para o anúncio da Boa Nova, que brota da adoração eucarística, para a sociedade e para as pessoas do nosso tempo, para se fazer uma digna celebração de adoração, é necessário ter bem presente o sentido de presença (do Mistério, do Senhor), ou seja, uma teologia da presença.

A TEOLOGIA DA PRESENÇA

A partir do evangelho de João

Uma teologia da adoração da Eucaristia fora da Missa, é uma teologia derivada da revelação bíblica e da profissão de fé na presença real e permanente de Cristo no memorial da sua paixão, no sacrifício e no banquete da comunhão. Por isso a adoração eucarística fora da missa não tem uma teologia autónoma, mas parte das fontes da fé eucarística.

A partir do evangelho de S. João, podemos encontrar o ponto de partida de uma teologia da presença real e do reconhecimento da pessoa de Cristo no pão da Eucaristia. Tudo tem uma certa lógica se entendermos a revelação de Cristo como “presença” salvadora entre nós, pelas palavras do prólogo (Jo 1,14), onde se diz que o Verbo se fez carne e veio habitar entre nós. Este texto, através da palavra “carne”, que define a revelação de Cristo como presença viva e encarnada, descido do céu, relaciona-se com a promessa de outra presença específica, a da Eucaristia, a do pão que Jesus dará na última Ceia e que é a sua “carne” que Ele há-de dar pela vida do mundo (Jo 6,51).

O capítulo 6 de S. João dá-nos uma dupla perspectiva da revelação da presença de Cristo: por um lado, a sua presença durante a sua vida mortal e também na sua vida gloriosa depois da Ressurreição e antes da Ascensão entre os seus discípulos; é um modo de estar visivelmente diante dos homens. Por outro lado, Jesus anuncia outra 4

 

presença sacramental, depois da Ascensão, através da promessa de um pão que ele dará e que é a sua própria carne. A frase “Eu sou o Pão da Vida” expressa um ser e estar diante das pessoas fisicamente. A frase “o pão que eu hei-de dar é a minha carne, pela vida do mundo” refere-se a uma outra forma de presença, uma presença sacramental. Em João, sente-se a presença do Senhor de diversas formas: uma comunhão “espiritual” com Cristo que permanece em cada um dos seus discípulos pela palavra vivida, pelo amor, pelo cumprimento da sua vontade, pela comunhão com a sua carne e o seu sangue (Jo 6, 51 ss; Jo 15). É uma presença diante de todos como o pão da vida, com o mesmo realismo do momento da Encarnação do Verbo.

Em João, a Eucaristia tem as qualidades da revelação, de uma manifestação verdadeira e real, do oferecimento de um dom de comunhão. Como na Encarnação, essa continuidade da presença manifesta-se como a morada de Deus que chega à sua plenitude no Verbo, tenda e templo de Deus (Jo 1,14 e 2,19-22). O ponto culminante da presença de Deus no Antigo Testamento é a carne de Cristo visível e o pão sacramental da vida, que é a sua carne, a sua pessoa divina e encarnada. Na perspectiva de João, há uma continuidade visível entre a pessoa de Cristo e a sua nova presença sacramental no pão da vida, no meio da comunidade que celebra a Eucaristia.

A dupla perspectiva do evangelho de João cumpre-se na experiência da Igreja. A presença de Cristo diante das pessoas no seu ministério passa a ser presença sacramental diante da Igreja no seu mistério eucarístico. São próprios da teologia eucarística de João algumas qualidades da presença de Cristo: o realismo e o personalismo, a afirmação de que no pão da vida está a pessoa de Jesus na síntese dos seus mistérios: encarnação, paixão, ressurreição, tendo em conta o capítulo 6 e como João apresenta o mistério de Cristo Ressuscitado. Na riqueza da narração joanina, a presença de Cristo na Eucaristia tem a dimensão da sacramentalidade, o sentido profundo do dom do Pai, da presença do Filho, da acção e da comunhão no Espírito Santo. A esta dimensão trinitária que é a “chave” de todo o seu evangelho, João acrescenta na parte final do capítulo 6 a “chave” de compreensão da Eucaristia, que é acreditar nessa presença, tanto antes da morte e da ressurreição, como depois da ressurreição para aqueles que o viram, mas também para os que têm que aceitar a revelação da presença no pão da vida depois da sua ascensão aos céus. É a questão de aceitar ou negar Jesus. É a opção fundamental da fé. A presença de Cristo é sempre real, pessoal, trinitária, salvadora; há que acolhê-la e adorá-la.

Estas considerações de carácter bíblico aplicam-se à adoração da presença de Cristo no pão da vida, fora da celebração. Mas estão fundamentadas na verdade central do carácter da “presença” de Cristo no evangelho de João e na teologia da Eucaristia a partir da encarnação-paixão-ressurreição que é própria de João na sua mensagem. Entre elas a ideia da “morada de Cristo no meio dos homens”. Pode aplicar-se à permanência e ao culto de adoração a continuidade dessa nova presença de Cristo, templo e tabernáculo de Deus na Igreja, da sua proximidade e da sua amizade, do convite a acolher a sua pessoa e a ter acesso a ele pela fé, de entrar na intimidade da “presença”, pela comunhão com ele no pão da vida, como na adesão à sua palavra. É de grande riqueza a teologia do capítulo 6 de S. João.

Da celebração da Eucaristia à adoração da presença

Como compreender, hoje, a presença real de Cristo? A teologia da adoração e a sua prática enriquecem-se com uma compreensão da presença de Cristo. Uma correcta 5

 

teologia da presença ultrapassa antigas concepções da Eucaristia (“o Menino Jesus do Sacrário”, “o Prisioneiro do Tabernáculo”, “o Bom Deus presente na Eucaristia”) e leva-nos a considerar sempre a presença real de Cristo, como está no céu, na síntese dos seus mistérios: Verbo Encarnado, que padeceu e morreu e agora vive ressuscitado e glorioso à direita do Pai. Esta presença é real e pessoal, não é uma coisa mas uma pessoa viva. E é uma presença que tende à comunhão e à comunicação: estar presente é estar aberto aos outros numa comunicação interpessoal que se acolhe e que se dá. A teologia da presença eucarística, tendo em conta a presença de Cristo na liturgia, chegou ao ponto de ver nela a síntese de todos os modos de presença. A Eucaristia é a presença da palavra e pela palavra. Na presença sacramental eucarística ressoa sempre a palavra da revelação: “Eu sou o pão da vida; isto é o meu corpo entregue por vós”. Adorar é escutar esta palavra e acreditar nela. É presença e continuidade da acção sacramental de Cristo, que está sempre presente na Eucaristia, entregando-se ao Pai e a nós. Toda a presença eucarística é uma presença doada ao Pai em sacrifício, oferecida a nós como comunhão.

É uma presença que impregna e muda a substância do pão e do vinho no Corpo e Sangue do Senhor, ou seja, de Cristo no seu todo. É, finalmente, uma presença específica, ou seja, remete-nos ao memorial perene do sacrifício pascal, ao acto que sintetiza toda a vida de Jesus: “Jesus vive o único acontecimento da história que não passa jamais: morre, é sepultado, ressuscita de entre os mortos e vai sentar-Se, ‘uma vez por todas’, à direita do Pai”4. Assim, esta presença vem da glória celeste até nós, a única presença no céu e na terra do mesmo Senhor da glória, com a sua humanidade e a sua divindade5.

4 Cfr. Catecismo da Igreja Católica, 1085

5 Cfr. J. Galot, Eucaristía y vida, Desclée de Brouwer, 1967, pp. 30-71(a nível geral) e 288-315 (sobre a adoração).

Seguindo a nossa reflexão a partir da revelação do Pão da vida, segundo o evangelho de João, a consciência do “Deus connosco”, cuja presença sacramental se prolonga na reserva eucarística, sempre em continuidade com a celebração da Eucaristia, pode-se enumerar e aprofundar algumas das qualidades deste mistério que abrem o coração à adoração pessoal e comunitária. Tudo a partir do “Eu sou” que nos remete ao Deus transcendente e próximo do Antigo Testamento e do “Eu sou” das palavras de Jesus no evangelho de João, ao Deus connosco, o Emanuel, aquele “que habitou no meio de nós (prólogo de João).

Assim, a presença eucarística é divina, porque é a do Verbo em comunhão com o Pai e o Espírito Santo. Mas é ao mesmo tempo pessoal, específica na sua estrutura sacramental e no seu significado do Verbo feito carne. É uma presença encarnada, com uma alusão específica ao mistério da encarnação, ao mistério e aos mistérios da carne de Cristo, sacramentalizados eternamente no Corpo do Senhor. É uma presença “vitimal”, pois remete-nos ao corpo entregue e ao sangue derramado das palavras da instituição e ao aspecto sacrificial do evangelho de João: a minha carne (entregue, sacrificada) pela vida do mundo. É vivente e gloriosa, porque é o Pão vivo descido do céu e à presença de Cristo na glória do Pai, “sentado à sua direita”. Por isso, trata-se sempre de uma presença salvadora, um estar aqui para nós, como fonte de perdão, de vida, de comunhão, não esquecendo que Cristo está na glória como mediador e sacerdote, vítima santa, oblação permanente. Estas qualidades da presença do Senhor na Eucaristia têm de 6

 

influenciar a atitude da Igreja Esposa perante o seu Senhor e seu Esposo, numa simples visita ao sacrário, numa exposição do Santíssimo ou numa procissão eucarística.

A presença real de Cristo não é um estar de maneira estática, material, passiva, mas um estar aberto à comunicação através do Espírito Santo que nos permite aceder, na fé e no amor, a essa presença pessoal e eclesial, na Igreja e para a Igreja. É notável a intuição de alguns teólogos, como K. Rahner, sobre a relação entre palavra e Eucaristia. A palavra que “faz” a Eucaristia com a força do Espírito Santo é a palavra do “kerigma original”, a que proclama a “morte do Senhor”, o acontecimento histórico da morte e a realidade do Senhor da glória; é a palavra que nos oferece o corpo entregue e o sangue derramado para a remissão dos pecados como sacrifício da nova aliança. Por isso, onde se adora a Eucaristia, é necessário escutar no silêncio a revelação que Cristo faz de si mesmo: isto é o meu corpo, eu sou o pão da vida. Aqui não podemos esquecer a analogia entre a presença de Cristo na palavra na sua proclamação litúrgica e na sua manifestação nessa mesma palavra fora da celebração. Algo semelhante, com evidentes diferenças, é o que sucede na presença eucarística do sacrifício e da comunhão na missa e na sua reserva e conservação fora da celebração. Daí o costume de colocar nas nossas igrejas a Bíblia, o livro da Escritura, ou o Evangeliário (“tabernáculo da Palavra” nas igrejas orientais), aberto e acessível aos fiéis.

Esta reflexão sobre a palavra e a Eucaristia, como presenças permanentes e coordenadas, é muito importante para uma educação para a adoração: da palavra, à palavra feita carne, da imagem de Cristo, à sua presença pessoal e sacramental.

ATITUDES PARA SENTIR A FORÇA EVANGELIZADORA DA ADORAÇÃO EUCARÍSTICA

Da celebração eucarística à adoração eucarística

Depois de uma reflexão teológica sobre a presença de Jesus Cristo na Eucaristia, tendo em conta os textos do magistério da Igreja, podemos reflectir naquilo que pode configurar a adoração eucarística como um florescer, na fé, esperança e no amor, do entusiasmo para a evangelização dos nossos tempos que brota desta opção fundamental dos cristãos perante Cristo presente na Eucaristia.

O princípio doutrinal da EM 50 continua a ser a regra de ouro para a compreensão do culto eucarístico fora da missa: uma presença que vem do sacrifício e “conserva” o “sabor” da eucaristia celebrada. A riqueza do mistério eucarístico celebrado é imenso e nunca chegaremos a viver o que celebramos. A adoração do Santíssimo Sacramento, ou seja, de Cristo no santíssimo sacramento, é um momento para aprofundar aspectos da celebração eucarística na contemplação prolongada e na vivência pessoal e eclesial do mistério celebrado. A adoração é, fundamentalmente, uma forma de prolongar o culto espiritual da vida na oração e na contemplação. Esta também se pode fazer em outros momentos e lugares, mas o tempo e o espaço de uma oração diante do sacrário é uma ocasião para experimentar a presença sacramental viva na relação pessoal da oração. E é no Ritual Romano da sagrada Comunhão e Culto do Mistério Eucarístico fora da missa que encontraremos as diversas formas orantes e adorantes, através das quais brota o entusiasmo e a convicção para o mandato apostólico. 7

 

Rezar a palavra

Em continuidade com a liturgia celebrada, na presença do Mestre divino, da palavra feita carne, a adoração eucarística permite aprofundar a Sagrada Escritura. Pode fazer-se a partir dos textos da celebração eucarística do dia ou outros. Nesta interiorização, é importante não perder a relação mestre/discípulo, igreja/esposa perante o Mestre/Esposo. É de salientar a riqueza da “lectio divina” com os seus diversos graus que levam à comunhão com o Senhor: leitura, meditação, oração, contemplação, acção.

Eucaristizar a adoração

Uma oração adorante que prolonga uma celebração é a que personaliza e actualiza os aspectos da oração eucarística: o louvor e a acção de graças, a oferenda de Cristo e dos fiéis, permanente e actualizada, a invocação ou epíclesis como oração e invocação ao Pai para que continue a enviar o seu Espírito sobre a igreja e o mundo, a intercessão universal que concretiza as intenções (“petitio”) das nossas orações eucarísticas. Isto pode fazer-se de forma espontânea ou com textos apropriados, em silêncio ou com oração comunitária, intercalando invocações, aclamações, cânticos, fazendo tudo com muita paz, beleza e sentido de piedade. É um momento para viver diante do Senhor o espírito do sacerdócio comum dos fiéis, numa perspectiva de culto espiritual de oração e de adoração.

Invocar o nome de Jesus

Uma das formas de realizar essa adoração eucarística é a de invocar o nome de Jesus na sua presença, utilizando, por exemplo, os capítulos 15 e 17 do evangelho de S. João, a terceira fórmula do acto penitencial do Ordinário da Missa, a ladainha do Sagrado Coração de Jesus. Há outros textos que contêm os nomes bíblicos de Cristo como invocações da sua pessoa e do seu poder salvador (os textos do “Eu sou”). Ao “Eu sou” da presença silenciosa responde-se com o “Tu és” da oração e da adoração.

Rezar com a Igreja

Na Liturgia das Horas de Laudes e de Vésperas, a Igreja tem um tesouro abundante de invocações e intercessões que podem ser utilizadas para a adoração ao Santíssimo Sacramento. Salienta-se aquelas que se dirigem directamente a Cristo, como são as do tempo do Advento e de Natal, ou as que se encontram no Ofício da Solenidade de Corpo de Deus e do Sagrado Coração de Jesus… ou em outras festas do Senhor. Podem-se escolher tendo em conta os tempos litúrgicos ou adaptar às assembleias. As fórmulas da oração da Igreja podem despertar e estimular a oração espontânea dos fiéis na assembleia.

Cantar a fé

A adoração enriquece-se com o canto. O canto une a assembleia. A alegria da fé expressa-se com a beleza dos textos e das melodias. Enriquece-se a adoração com um reportório de cânticos cristológicos e eucarísticos. São de bom gosto, sobretudo para os jovens, uma série de invocações ao Senhor, em forma repetitiva, como acontece com os cânticos de Taizé, em várias línguas, para expressar a catolicidade da Igreja; podem ser intercalados com silêncio ou com breves leituras apropriadas, testemunhos da vida dos santos e orações espontâneas. Rezar com gestos corporais perante o corpo eucarístico do Senhor pode ser também uma expressão de adoração. Pode consistir numa simples gestualidade espontânea com a posição do corpo, a extensão das mãos, a prostração, estar de joelhos, levantar o olhar. 8

 

O ritmo e a celebração da adoração

A celebração da adoração do Santíssimo pode ser feita tendo em conta as partes da celebração eucarística. Os ritos iniciais servem também para saudar e acolher a assembleia: uma admonição sobre o sentido e a sequência da adoração, um cântico e uma oração inicial ajudam a criar “ambiente” para a contemplação. Pode haver um tempo de adoração silenciosa que vá do silêncio à palavra ou da palavra ao silêncio. Sem converter este momento em algo semelhante a uma liturgia da palavra, pode proclamar-se um texto da Bíblia, ou fazer uma leitura de um texto que convide à meditação e à contemplação que alimenta a fé na Eucaristia e leve os fiéis à oração pessoal com Cristo. Neste momento, inspirada pela Palavra de Deus ou outro texto eucarístico, pode seguir-se os diversos passos de uma breve “lectio divina” eucarística. Toda a celebração de adoração, por mais breve ou longa que seja, deve ser uma oração trinitária ao Pai, por Cristo, no Espírito Santo, ou de caracter cristológico. É importante preparar bem os momentos finais, tendo em conta o Ritual e as sequências da bênção eucarística.

Da adoração à comunhão sacramental e espiritual

A adoração eucarística orienta-nos para a comunhão sacramental. A forma sacramental do pão eucarístico recorda-nos a consagração e orienta-nos para a comunhão. A adoração eucarística é uma prolongação da graça da comunhão eucarística que é um “permanecer em Cristo” em todos os dias da vida e um estar diante dele através da permanente presença sacramental. A adoração eucarística estimula e convida à comunhão eucarística: não basta “comer com os olhos”, como se fez durante tanto tempo nas comunidades cristãs com a escassez de fiéis que se abeiravam da comunhão eucarística. Há que comer e beber o corpo e o sangue de Cristo no sacramento com o pão e o vinho, expressão de uma comunhão no banquete do sacrifício com a plena participação no sacramento. Não basta “fazer corpo” na Eucaristia: é preciso ser “Corpo de Cristo” pela comunhão eucarística. Não é suficiente expressar por meio da chamada “comunhão espiritual” o desejo de receber a comunhão quando for possível e quando se estiver devidamente preparado. É necessário saber viver a graça que brota da comunhão sacramental e da adoração espiritual, tendo em conta o sentido genuíno do que significa a “comunhão espiritual”. O sentido genuíno da “comunhão espiritual” não é o que se expressa pelas fórmulas tradicionais do desejo da comunhão eucarística, a não ser que haja algum impedimento para receber a eucaristia ou há muito tempo que não se recebe. O sentido genuíno da “comunhão espiritual” é a teologia do evangelho de S. João: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele”: comunhão e união (vínculo) como graça permanente da comunhão eucarística; “Eu sou a videira, vós sois os ramos” (cap. 15); e a promessa da presença trinitária em nós: “Se alguém me tem amor, há-de guardar a minha palavra; e o meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele faremos morada” (Jo 14,23). A adoração eucarística renova a graça desta comunhão e prepara para novos “encontros sacramentais”, através da fidelidade à palavra escutada e vivida como fruto e exigência da comunhão eucarística; a vida em Cristo pela comunhão com o corpo e o sangue do Senhor, segundo S. Paulo: “Sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo” (1Cor 10 e 11); a dimensão esponsal da Eucaristia e da adoração: “Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos bem amados, e procedei com amor, como também Cristo nos amou e se entregou a Deus por nós como oferta e sacrifício de agradável odor” (Ef 5); o convite à intimidade eucarística do Apocalipse: “Eu estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, Eu entrarei na sua casa e cearei com ele e ele comigo” (Ap 3,20). A adoração faz crescer o desejo da comunhão, mas não a substitui. 9

 

Da contemplação do Cristo sem rosto, à descoberta do rosto de Cristo nos irmãos

A unidade entre o culto eucarístico e a caridade, especialmente o cuidado dos pobres, tão salientada pelos Padres da Igreja, vale também para a adoração eucarística. Chegou a pensar-se no perigo de uma possível separação entre o sacramento de Cristo e o sacramento do irmão, segundo a terminologia utilizada por S. João Crisóstomo. Um culto eucarístico que não se traduz em amor e serviço aos outros, como nos convida a palavra de Jesus e a sua entrega por nós, pode cair num devocionismo que não “escuta” a palavra da Eucaristia, não compreende a mensagem da presença que convida a viver a vida, imitando a vida de Jesus como oferenda de amor ao Pai e aos irmãos. Um serviço que não se inspira constantemente na dimensão eucarística do amor de Cristo, perde todo o sentido. Do Cristo “sem rosto humano” contemplado na Eucaristia, a adoração orienta-nos para o rosto humano de Cristo contemplado na Igreja e nos irmãos. A palavra escutada leva-nos à palavra vivida, a acção salvadora sacramental conduz-nos a agir amorosamente, prolongando o gesto do sacramento da fé, numa comunicação divino-humana de amor que transforma a sociedade. Assim se realiza a diversidade das presenças: da Eucaristia ao irmão necessitado. Da adoração contemplativa muitos santos e cristãos do nosso tempo passaram à diaconia da caridade, ao encontro com os irmãos mais necessitados, como foi o caso da Beata Teresa de Calcutá: “a Eucaristia é contemplar Cristo sem rosto para O contemplar nos outros”.

Conclusão

“Um amor que não sentisse a necessidade de falar da pessoa amada, de a apresentar, de a tornar conhecida, que amor seria? Se não sentimos o desejo intenso de comunicar Jesus, precisamos de nos deter em oração para Lhe pedir que volte a cativar-nos. Precisamos de o implorar cada dia, pedir a sua graça para que abra o nosso coração frio e sacuda a nossa vida tíbia e superficial. Como é doce permanecer diante dum crucifixo ou de joelhos diante do Santíssimo Sacramento, e fazê-lo simplesmente para estar à frente dos seus olhos! Como nos faz bem deixar que Ele volte a tocar a nossa vida e nos envie para comunicar a sua vida nova!”6.

6 EG 264

O Papa Francisco convida-nos a recuperar a riqueza e a força evangelizadora que dimana da adoração eucarística. Para isso, é necessário uma reflexão teológica, inspirada nas fontes. Desafia-nos a uma celebração da adoração bem preparada, digna, diversificada, liberta de uma certa piedade devocional, expressando a relação e as diferenças entre a celebração eucarística e a vida. Uma espiritualidade eucarística renovada para o mundo de hoje não pode deixar de lado este tesouro da tradição da Igreja Católica do Ocidente, mas é necessária uma renovação na perspectiva da fé, da celebração e da vida.

A força evangelizadora da adoração eucarística fundamentar-se-á em cinco aspectos de espiritualidade que nos leva da celebração à vida:

1 – Conservar a presença (Reserva Eucarística)

2 – Celebrar a presença (ritos, gestos e palavras)

3 – Acolher e aceitar a presença (sentirmo-nos interpelados para o sacrário)

4 – Transformar-se pela presença (“os joelhos são as alavancas dos apóstolos”)

5 – Adorar a presença (Cristo está presente como verdadeiro Deus e verdadeiro homem).

Cónego Jorge Alberto da Silva Seixas