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O diálogo com o Islão não é fácil, mas o Ocidente também cometeu erros Alguns meses depois do lançamento de “Deus ou nada – Conversa sobre a Fé”, o prefeito da Congregação para o Culto Divino e para a Disciplina dos Sacramentos, cardeal Robert Sarah, apresentou o livro na igreja romana de Santa Maria em Vallicella, onde estão os restos mortais de São Felipe Néri. Ao apresentar o convidado ilustre, a irmã Alexandra Diriart citou uma frase do fundador da Congregação do Oratório: “Quem quer algo que não é Cristo, não sabe o que quer. Quem pede algo que não é Cristo, não sabe o que pede. Quem trabalha, mas não por Cristo, não sabe o que faz”. As palavras de São Felipe Néri parecem ecoar o espírito do último livro do cardeal africano. De estilo sóbrio e reservado, Sarah recorda Bento XVI, tanto na abordagem humana quanto na clareza e rigor doutrinal, mas, enquanto Ratzinger se destaca especialmente pela perspicácia intelectual, no cardeal guineense prevalece a abordagem espiritual. “Este livro eu escrevi orando”, declarou ele, cuja vivência pessoal, embora não de modo explícito, está certamente presente no livro, a começar pelas feridas de quem faz parte de uma igreja perseguida. Imediatamente após a independência, em 1958, a Guiné ficou marcada por um regime socialista e anticlerical, liderada durante 26 anos pelo ditador Ahmed Sekou Toure. “Em 1984, eu fui inscrito pelo regime numa lista de pessoas a serem eliminadas. Foi a providência divina que me arrancou da morte. E eu comecei a ver na minha vida uma clara predileção do Senhor por mim”. Tão forte é a gratidão do cardeal africano a Deus quanto notável o seu enlevo diante da incredulidade do mundo de hoje. Quanto mais ele observa a atualidade, mais se convence de que a maioria dos males que afligem o mundo - guerras, terrorismo, exploração, aborto - são resultado de um “eclipse de Deus”, de uma humanidade que perdeu a fé. Se num país desenvolvido, como a Bélgica, é aprovada a eutanásia infantil sem oposição significativa, é “o futuro da humanidade que está em jogo”. No Ocidente, Deus está morto e nós somos os seus assassinos”, disse o cardeal, sem rodeios, ressaltando que os sinais deste “crime” são evidentes também em círculos católicos. Muitas igrejas se tornaram “a cripta e o túmulo de Deus”, declarou ele, e as pessoas frequentam-nas cada vez menos para não sentirem o cheiro da morte. “A economia, as finanças, a ciência, a tecnologia, a medicina são importantes, mas não são nada diante de Deus”. Se o homem mantém o bom relacionamento com Deus, beneficiam-se todas as relações dentro da humanidade, diminuindo as guerras e triunfando a paz. Sobre a extrema dramaticidade da geopolítica atual, Sarah condenou veementemente todas as formas de violência motivada por desculpas religiosas, mas não poupou o Ocidente das suas responsabilidades e dos seus erros. A eliminação de Osama bin Laden, assim como a de Muammar Gaddafi, para ele, foram “atos bárbaros”. Mesmo os terroristas e ditadores, declarou Sarah, “são filhos de Deus, criados à sua imagem e semelhança”. O corpo de Bin Laden não devia ter sido jogado ao mar. Até os tiranos mais sanguinários, caso sejam mortos, “devem ter seus cadáveres entregues às famílias para um sepultamento digno”. Segundo o cardeal, as reações brutais do Ocidente às agressões do fundamentalismo islâmico só contribuem para aumentar ainda mais o ódio. Mesmo com a onda atual de polarização após os ataques terroristas em Paris, o cardeal Sarah reforça a postura do Concílio Vaticano II de acreditar e não desistir do diálogo, por mais que, como ele próprio admitiu publicamente, “o diálogo com o islão é difícil”. Segundo o purpurado, a tensão entre o Islão e o Catolicismo tem raiz “mais cultural do que religiosa” e é também resultante da nossa secularização, que “exaspera os muçulmanos”. Assim como Bento XVI em Ratisbona, o cardeal Sarah considera impossível o “diálogo teológico”, já que os muçulmanos acreditam que a revelação de Maomé é definitiva, além de descartarem a Trindade e a divindade de Cristo. É possível, no entanto, um diálogo baseado nos temas de concordância, como “família” e “desenvolvimento”. Sobre os dois últimos Sínodos da família, o cardeal definiu o Instrumentum Laboris como “um texto confuso e ambíguo”, mas considerou que, em outubro passado, “graças ao trabalho dos grupos, conseguimos uma clareza maior”. Agora aguarda-se a exortação apostólica pós-sinodal, na qual o papa Francisco deverá reiterar de uma vez por todas a doutrina sobre a família, com fidelidade aos textos magisteriais a seu respeito: a Sacramentum Caritatis, a Familiaris Consortio e o próprio Catecismo da Igreja Católica. Depois de sugerir uma leitura cuidadosa da parte do seu livro dedicada à oração, o cardeal explicou que a oração “não se ensina”: é “uma experiência de todos os dias e experimentar Deus leva tempo” . Mesmo com “fé forte”, observou ele, é importante “não vivê-la sózinhos”: a presença da comunidade a protege melhor contra perigos e desânimos. O prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos convidou a audiência à “coragem da verdade do Evangelho”, apontando o exemplo daqueles que “morreram por fidelidade a Cristo”, como, por exemplo, “no Paquistão, onde cristãos são queimados vivos”. O mundo não precisa de “profetas” – como, inclusive nos círculos católicos, alguns afirmam. O mundo precisa “testemunhas” que estejam prontas para morrer por uma verdade que “nem sempre agrada”, concluiu o cardeal Sarah. |