Fragilidades do testamento vital
Laureano Santos defende o «princípio de autonomia do doente» e alerta: «as directivas prévias são muitas vezes desadaptadas da realidade»
As directivas prévias são "muitas vezes desadaptadas da realidade", afirma Alexandre Laureano Santos, médico cardiologista que afirma ser esta "a grande fragilidade do testamento vital".
"Tenho assistido a situações de pessoas que escrevem directivas que apenas são usadas temporariamente", esclarece. "Não raras vezes a pessoa escreve directivas, mas depois pede o tratamento", ou seja "por vezes, arrepende-se".
Também D. Manuel Clemente, bispo do Porto, alerta que o testamento vital parece "indiciar o respeito pela pessoa humana", mas que "deixa a pessoa e a equipa médica acorrentada a um momento".
"Em princípio, pode parecer de respeito pela decisão da pessoa. Mas um testamento é algo que fica escrito, no momento e corresponde a uma circunstância precisa", aponta o bispo do Porto. "Ficar acorrentado, a pessoa ou a equipa de médicos, a uma coisa que se escreveu em circunstâncias de vida, que podem corresponder a momentos de angústia ou desespero, é não respeitar a pessoa, mesmo que pareça um respeito ao que ela deixou escrito".
Sem ter lido a proposta do Partido Socialista sobre o testamento vital, Laureano Santos afirma à Agência ECCLESIA que o testamento vital consagra o princípio de autonomia da pessoa humana.
No entanto os direitos dos doentes "já consagram que toda a pessoa tem o direito de recusar tratamentos, de ouvir uma segunda opinião ou sair de um estabelecimento da saúde quando entender fazê-lo".
O médico explicita que "a pessoa é soberana sobre os procedimentos de saúde que se devem tomar", pois "todos eles têm falhas, não são infalíveis". O doente deve estar na posse de toda a informação sobre o tratamento a que vai ser sujeito.
"Presume-se que os serviços de saúde interroguem as pessoas se aceitam determinada proposta terapêutica, prestando toda a informação sobre o tratamento, e se não se faz formalmente a pergunta temos de assumir que as pessoas aceitam os tratamentos que fazemos".
Segundo Laureano Santos "está subjacente à prestação dos cuidados médicos o princípio de autonomia".
Sobre a possibilidade de a aprovação do testamento vital abrir a porta à eutanásia, o médico é peremptório. "Não vejo nenhuma ameaça ou caminho aberto para a eutanásia".
Subjacente à proposta do partido socialista, Laureano Santos acredita estar o princípio da autonomia. "A eutanásia é a perversão do princípio da autonomia, uma instrumentalização da sua própria vida e dos cuidados de saúde a prestar".
São questões diferentes que não estão ligadas, sublinha o médico cardiologista.
"A lógica do «até às últimas consequências», é que pode admitir a perversão", explica.
Agência Ecclesia